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Os recursos naturais e humanos das Américas tiveram um papel fundamental no processo de conquista e colonização, definindo os rumos da organização e apropriação dos territórios que corresponderiam, mais tarde, ao Brasil e às nações hispano-americanas. Para estabelecerem suas colônias, Portugal e Espanha tiveram várias dificuldades em função da distância Europa-América, das condições oferecidas pelo território americano, da escassez de informações, já que estas eram fornecidas somente pelos viajantes etc. Isso tudo criou dificuldade para implantar na América produções rentáveis à Coroa. O processo que então se inicia é repleto de particularidades temporais e espaciais que atuam decisivamente na forma de apropriação das terras descobertas, onde, a partir de um espaço natural e de populações nativas, começa a construção de um novo espaço social, determinado também pela complexa conjuntura européia e, em particular, a ibérica.
As Coroas Ibéricas, por sua vez, possuíam também especificidades: a mesma etnia deu origem a duas nações, Portugal e Espanha, nações histórica e geograficamente muito próximas. Portugal, já desde o século XII, apresentava-se como um reino unificado, portanto, um país de precoce consolidação do Estado. Em função da proximidade, os limites com os reinos espanhóis vizinhos estavam também claramente definidos, o que impossibilitava a expansão territorial, restando aos portugueses, como alternativa, apenas a expansão marítima, o que ajuda a compreender as iniciativas que fizeram deles os precursores nas descobertas marítimas.
Na Espanha, porém, apenas começava a se esboçar uma centralização administrativa com a união dos reis Fernando e Isabel. No mesmo ano em que os espanhóis descobrem a América, 1492, eles conseguem expulsar os mouros de seu território. Com isso, em linhas gerais, existe uma diferenciação na formação social da Espanha e de Portugal, duas nações que, embora muito próximas, apresentam características próprias na trajetória histórica. Há, portanto, especificidades que as diferenciam, apesar de estarem ambas localizadas na Península Ibérica e registrarem vários pontos comuns ao longo de sua história.
A realidade americana com a qual os povos ibéricos se defrontam é bastante variada e diversa daquela vista na Europa. Apesar das raízes ibéricas comuns, as grandes diferenças entre o Brasil e os demais países americanos, no que diz respeito aos aspectos internos – como na política colonial a ser implementada pelas duas metrópoles - já podem ser percebidas desde a época do Descobrimento. Nas colônias hispano-americanas as condições são distintas, quer do ponto de vista da população ameríndia, quer do quadro natural
O espaço colonial sofre as determinações das metrópoles, as quais, por sua vez, serão modeladas por uma realidade concreta, e por um conjunto de formas e elementos que as terras americanas vão apresentar como suporte para a edificação das novas sociedades. A economia e a sociedade dos futuros países da América Latina começam a se organizar voltadas para fora, atendendo aos interesses mercantis europeus, partindo, entretanto, de bases naturais e humanas distintas. No espaço americano, a distribuição dos vários elementos naturais e humanos, combinada às determinações ditadas pelos povos conquistadores, serão responsáveis pela gênese e evolução das formações coloniais.
Formações sociais latino-americanasA gênese das formações sociais latino-americanas inicia-se no final do século XV e início do século XVI. Assim, diante das características próprias do imenso território colonial, foram implementadas condições infra-estruturais para que aqui se desse uma produção que satisfizesse os interesses das metrópoles. Este processo, que se estende do século XVI ao XIX, vincula-se à dinâmica econômica interna dos interesses das coroas ibéricas. O caráter complementar e periférico da economia colonial, voltada aos interesses das metrópoles ibéricas, inseria-se no contexto europeu da época, quando, no declínio do feudalismo, começam a surgir novas relações de produção que darão origem ao capitalismo.
Antes dos portugueses chegarem às terras que hoje correspondem ao Brasil, os espanhóis já haviam chegado à América Central. Nas terras que depois viriam a constituir as colônias espanholas havia uma maior heterogeneidade do ponto de vista natural e humano, pois apresentavam áreas de maior densidade demográfica e povos em estágios de civilização mais avançados. No Brasil, em contrapartida, havia uma relativa homogeneidade física, porém os índios que aqui viviam, além de nômades ou semi-nômades, encontravam-se num estágio primitivo de civilização, apresentando também áreas sem presença humana.
No continente americano também existe uma grande diversidade regional. As terras que hoje correspondem ao Brasil apresentavam características naturais e humanas mais homogêneas que influenciam os rumos da formação social brasileira As formações coloniais não são somente uma conseqüência direta das ordens emanadas pela Coroa, o Brasil – assim como o restante da América Latina. As especificidades, isto é, as forças endógenas que atuam no processo de evolução das formações nacionais latino-americanas, são recheados de particularidades.
Na América espanhola havia maior densidade demográfica representada por povos sedentarizados em estágio mais avançado de civilização. Por isso puderam, logo de início, os colonizadores puderam estabelecer com estes grupos indígenas relações feudais de produção visto que eles se encontravam em condições de serem imediatamente submetidos à condição de servos do reino de Castela. Nas áreas ocupadas por estas nações ameríndias – sobretudo astecas (no México) e incas (no Peru), foram logo encontrados os recursos naturais mais cobiçados: os metais preciosos. Os conquistadores espanhóis se apropriaram imediatamente do que era produzido nestas áreas, transformando os habitantes destas áreas em servos da Coroa.
No caso do Brasil, entretanto, as condições não eram as mesmas, já que apenas era possível apoderar-se da própria terra. Dessa forma, os portugueses, pioneiros na arte da navegação, tiveram que se tornar pioneiros também na implantação das atividades produtivas nas terras tropicais de sua colônia americana, o futuro do Brasil. Diante das dificuldades de utilizar a mão-de-obra indígena - pois os índios eram ainda nômades - introduziu-se no Brasil, como mão-de-obra, os escravos trazidos do continente africano.
Reside aí mais uma diferenciação entre a colonização portuguesa e a espanhola, visto que, em função da sua longa trajetória na busca de novas terras, Portugal tivera em contato com outros povos, entre os quais os negros da África, introduzidos como mão-de-obra nas grandes propriedades monocultoras. A partir do trabalho forçado a que os escravos africanos são submetidos, o modo de produção escravista se torna dominante no interior das fazendas. É assim que começa a ser estruturada a organização produtiva da colônia.
O Tratado de Tordesilhas torna os reis de Portugal e da Espanha senhores absolutos das terras que viriam a constituir o Brasil e os demais países da América Latina. No caso específico do Brasil-Colônia, o rei de Portugal é o senhor das terras, antes mesmo do seu descobrimento. Em 1532, toma a iniciativa de dividir o seu vasto território em Capitanias Hereditárias. Os capitães donatários tornam-se seus vassalos e dele recebem permissão para doar parte das terras em sesmarias àqueles que pudessem explorá-las, criando, assim, uma hierarquia feudal. Esta situação se estende por todo o período colonial, durante o qual dominam, no pólo interno, relações escravistas, e, no pólo externo, relações feudais, mantidas por esses senhores de terras e de escravos com a Coroa portuguesa.
Esta realidade começa a se modificar no final do século XVIII, início do século XIX. Neste período histórico que precede a independência das colônias, observa-se uma diferenciação entre a colônia portuguesa e espanhola. No caso de Portugal, o rei vem para o Brasil com toda a Corte, estratégia que evita a submissão da Coroa portuguesa às tropas de Napoleão Bonaparte. Já no caso da Espanha, o rei se vê forçado a se render, assinando a rendição de Bayona. No caso brasileiro, a transferência da família portuguesa para o território colonial começa a preparar o Brasil para a Proclamação da Independência, criando uma infra-estrutura administrativa e melhorias que aceleram o processo de internalização do capital comercial, já iniciado no final do século XVIII. Isto significa dizer que o capital comercial, até então concentrado nas mãos dos portugueses, começa, gradativamente, a se transferir para as mãos de brasileiros. A internalização do capital comercial brasileiro vai se fazendo paulatinamente e, em 1822, com a Independência, o capital mercantil português é substituído pelo nacional, situação esta que se repete nos países hispano-americanos que também se tornam independentes. No caso brasileiro, além dos maiores comerciantes de escravos já serem brasileiros, a interiorização do capital comercial é estimulada pela descoberta, no final do século XVII, das primeiras minas de ouro em Minas Gerais. O chamado ciclo do ouro intensifica a circulação interna, com base nas tropas de mulas e no transporte de gado em pé, levado das áreas de pecuária (sertão Nordestino e Rio Grande do Sul ) para as áreas de mineração.
No momento da Independência, o Brasil apresenta, internamente, relações escravistas de produção, ao mesmo tempo em que, gradativamente, se internaliza o capital comercial. No plano externo, a intermediação do capital comercial português é dispensada, porque o país já podia se relacionar diretamente com o capital industrial do centro mais dinâmico do sistema - a Inglaterra - sem a intermediação da Coroa portuguesa, situação idêntica a que ocorre também nas ex-colônias espanholas que vão se tornando independentes.
A partir de 1790, o sistema capitalista mundial apresentou períodos de expansão e períodos depressivos. No período depressivo, as ex-colônias foram forçadas a se adaptarem à nova conjuntura mundial, fato que gerou rupturas internas responsáveis por alterações nos pactos de poder mantidos pelas classes dominantes. É importante ressaltar a influência que a conjuntura internacional exerceu sobre a economia das nações periféricas, que reagiram de acordo com a evolução de suas forças produtivas. Se, nos períodos de expansão, os países latinos acabavam se inserindo de forma dinâmica numa nova divisão internacional do trabalho, nos períodos depressivos reagem também positivamente, com um dinamismo próprio, substituindo importações e intensificando a produção nacional. Com a Abolição da Escravidão, na maioria dos países americanos, esta força produtiva representada pelos escravos, cujo trabalho se fazia de forma compulsória, ao dar início à substituição de importações, já preparava a instalação do regime republicano. As grandes fazendas escravistas tornam-se, então, latifúndios, consolidando também, em cada estado, a hegemonia política de uma oligarquia agrária, que permanece até o século XXI, na maioria dos países, extremamente influente nas questões políticas.
Comparando as nações coloniais espanholas e a portuguesa é possível definir o modo de produção escravista como um dos elementos responsáveis pela preservação da unidade da colônia portuguesa, já que o escravo circulava por todo o território e era utilizado igualmente como mão-de-obra em todas as regiões do país, o que significa dizer que a escravidão era um fenômeno nacional, isto é, espalhava-se por todo o território brasileiro.
Já na América espanhola, onde, desde o início da colonização, o modo de produção feudal havia dominado, ocorre, com a independência, uma fragmentação do território, que dá origem a vários países, enquanto no Brasil, onde dominou o modo de produção escravista, a unidade territorial é preservada. Em outras palavras, as relações dominantes desde o descobrimento nas áreas mais povoadas e desenvolvidas da América espanhola são resultado da formação de várias nações, enquanto que, no Brasil, o predomínio da escravidão, de grandes propriedades subordinadas à Coroa e da Proclamação da República permite a configuração de uma nação não fragmentada.
Há também que se considerar as diferenças nos processos de independência dos países da América Latina: com exceção do Haiti e do Brasil – onde o processo se deu de forma diferenciada - nos demais países, tal processo foi produzido por uma elite criola (descendentes de europeus nascidos na América) que queria ser como os europeus, ajudada principalmente pelos estadunidenses, com sede imperialistas. A elite criola produz uma identidade própria, latina, baseada na mistura de raças. O mito da mestiçagem é, portanto, um produto/artifício de uma elite criola que lutava para afirmar sua inclusão no projeto de civilização européia, fenômeno mais recente do século XVIII e XIX. A parte mestiça da população se dizia branca, ao se comparar com o resto da população de índios, negros e caboclos, ressaltando o elemento europeu como dominante. Assim, surge a idéia de “América Latina”, uma invenção francesa para fazer frente ao projeto imperialista anglo-saxão Esse é o legado da dupla consciência nativa branca à consciência nacional, que negava a Europa sem negar a europeidde.
O processo de formação dos países latinos, por meio das guerras de independências, já revelava o caráter de colonialismo interno que marca nossos países até hoje. Grande parte da população que participou ativamente das lutas anticolonialistas, sacrificando suas vidas muitas vezes, foi alijada no momento posterior de condução dos rumos da nação (principalmente indígenas, negros e trabalhadores livres pobres). Como conseqüência dessa característica autoritária de nossas elites, temos o fenômeno do caudilhismo e do coronelismo, comuns aos diferentes países, guardadas as devidas particularidades.
As lutas por independência nos países latino-americanos, embora analisadas em conjunto, tiveram grandes diferenças entre si. Em tais processos políticos, evidencia-se uma duplicidade de consciência criola: uma consciência criola branca, anglo-saxã ou ibérica e uma consciência criola negra, herdeira da escravidão, que comporta a diversidade dos imaginários criolo, ameríndio e afro-americano.
Considerações FinaisA herança anticolonial, anti-imperialista, antiautoritária, está presente através de diversos e específicos conflitos sociais. A ação de determinados movimentos sociais faz parte dessa contínua luta contra a colonialidade: as diferentes lutas por direitos humanos, os movimentos indígenas e camponeses, os protestos contra bases estrangeiras e os conflitos em torno da apropriação dos recursos naturais.
Uma das bases da Modernidade européia, os direitos humanos, são questões inexistentes para diferentes gerações de latino-americanos que sofrem com a discriminação étnica, racial ou classista, com as marcas da violência de um Estado autoritário ou com o tratamento inferior ao cidadão de baixa renda. Os direitos dos povos nativos e o acesso à terra também remontam à história de formação dos países. A própria geografia urbana de nossos países “subdesenvolvidos” reflete o quadro geral do sistema: a imensa maioria pobre concentrada nas periferias das grandes metrópoles, com ilhas de primeiro-mundo, para as classes mais favorecidas.
O tema das bases militares estrangeiras não se restringe aos países que as abrigam (como Argentina, Colômbia, Cuba, México, Panamá e Porto Rico) e tem sido alvo de protestos no conjunto dos países tendo, inclusive, um caráter anti-imperialista. Podemos citar também a “fragilidade” e importância da América Central e do Caribe.
Analisando o quadro dos conflitos ocorridos apenas no ano de 2001, podemos notar como o contexto sócio-político que, segundo Quijano, emerge nos anos 90 (e dura até hoje), reflete-se concretamente nas lutas sociais do continente como um todo. Consideradas as devidas diferenças conjunturais, a geografia dos conflitos na América Latina e Caribe nos revela a crescente polarização social da população, notada a partir da grande incidência das lutas por maiores salários, emprego e condições melhores de trabalho, evidenciando a crescente contradição capital-trabalho. O mesmo ocorre em relação aos processos de privatização do Estado e de deslegitimação do neoliberalismo que provocam um grande número de mobilizações contra as políticas de ajuste estrutural – resultando, por exemplo, na crise argentina de dezembro de 2001 - e que já estavam sendo rechaçadas em todos os outros países pesquisados.
Por outro lado, ocorreu a emergência de um novo protagonismo social, com a grande participação de camponeses e indígenas, assim como de aposentados que, classicamente, não são considerados como os principais sujeitos das lutas sociais. Para além da contradição capital-trabalho, o contexto atual de luta no continente nos revela as profundas marcas da modernidade, vivida por nós no seu lado negado, colonial.
As relações entre a atual conjuntura dos conflitos e nossa herança moderno-colonial vão além desses exemplos indicados. Mas nossos primeiros esforços em esboçar uma análise da geografia política do continente indicam as inúmeras correlações que podemos estabelecer entre os estudos pós-colonialistas e uma perspectiva epistemológica.